Newsletter TFRA – Os temas em foco nesta edição são ‘A identificação do beneficiário efetivo’, e ‘O fim das ações ao portador’

A identificação do beneficiário efetivo

No passado dia 13 de Abril foi submetida à apreciação da Assembleia da República, a Proposta de Lei n.º 71/XIII, visando transpor o disposto nos artigos 30.º e 31.º da Diretiva (UE) n.º 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, a qual prevê a “criação de uma base de dados para a conservação das informações suficientes, exatas e atuais sobre os beneficiários efetivos das pessoas coletivas e fundos fiduciários, bem como dos centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares”.

Neste sentido, a Proposta de Lei n.º 71/XIII não só regulamenta a criação do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), facilitando a identificação das pessoas singulares que detêm o controlo de pessoas coletivas e entidades equiparadas, mas também visa estabelecer um conjunto de alterações legislativas importantes para assegurar a coerência e funcionalidade do sistema jurídico.

Atualmente a Proposta de Lei ainda se encontra em fase de discussão, podendo ser alterada e aperfeiçoada, o que, diga-se, se espera que venha a ocorrer.

No entanto, pela sua importância e eventuais repercussões no dia-a-dia das sociedades comerciais em Portugal, podemos já elencar alguns princípios orientadores do novo quadro legal.

O RCBE será constituído por uma base de dados que contém informação suficiente, exata e atual sobre a pessoa ou as pessoas singulares que detêm a propriedade ou o controlo efetivo das entidades a ele sujeitas, ainda que de forma indireta ou através de terceiro. As circunstâncias indiciárias da qualidade de beneficiário efetivo serão posteriormente definidas pelo Governo. Ou seja, a definição do que é o beneficiário efetivo ainda está por fazer.

O RCBE será gerido pelo Instituto dos Registo e Notariado (IRN, IP), que por sua vez é responsável pelo tratamento da base de dados.

As seguintes entidades estarão sujeitas ao RCBE:

  1. associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico em território nacional que determine a obtenção de número de identificação fiscal (NIF) em Portugal;
  2. representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal;
  3. entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica;
  4. instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira (“trusts”); e
  5. sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira.

Para além das entidades acima mencionadas, também se encontrarão abrangidos pelo RCBE, os fundos fiduciários e os outros centros de interesse coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares, sempre que:

  1. o respetivo administrador fiduciário (“trustee”), o responsável legal pela gestão ou a pessoa ou entidade que ocupe posição similar seja uma das entidades acima referidas;
  2. aos mesmos seja atribuído um NIF português;
  3. estes estabeleçam relações de negócio ou realizem transações ocasionais com alguma ou alguma das entidades acima mencionadas;
  4. o respetivo administrador fiduciário, o responsável legal pela respetiva gestão ou a pessoa ou entidade que ocupe posição similar, atuando em qualquer dessas qualidades, estabeleçam relações de negócio ou realizem transações ocasionais com alguma ou alguma das entidades acima mencionadas.

Para efeitos de registo na referida base de dados e de acordo com a referida Proposta de Lei, as entidades acima mencionadas terão o dever de declarar junto do IRN, IP, para efeitos de inscrição e atualização do RCBE, não só informações relativas à própria entidade, aos titulares de participações sociais (com discriminação das respetivas participações) e aos membros dos órgãos responsáveis pela gestão e administração da entidade, como também informações sobre os próprios beneficiários efetivos e declarante.

No caso dos instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira, dos outros fundos fiduciários sujeitos ao RCBE e dos demais centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares àqueles fundos fiduciários, além da informação sobre a entidade e o declarante, deve ser declarada informação sobre:

a) o fundador ou instituidor;
b) o administrador ou administradores fiduciários e, se aplicável, os respetivos substitutos, quando sejam pessoas singulares;
c) os representantes legais do administrador ou dos administradores, quando estes sejam pessoas coletivas;
d) o curador, se aplicável;
e) os beneficiários e quando existam, os respetivos substitutos; e
f) qualquer outra pessoa singular que exerça o controlo efetivo.

Para cada pessoa singular abrangida pelo referido dever de declaração, deverão ser comunicados os seguintes elementos:

  1. nome completo;
  2. data de nascimento;
  3. naturalidade;
  4. nacionalidade ou nacionalidades;
  5. morada completa de residência permanente, incluindo o país;
  6. dados do documento de identificação;
  7. NIF, quando aplicável, e, tratando-se de cidadão estrangeiro, o NIF emitido pelas autoridades competentes do Estado, ou dos Estados, da sua nacionalidade, ou número equivalente; e
  8. Endereço eletrónico de contacto quando exista.

As Declarações poderão ser apresentadas via online mediante o preenchimento e submissão de formulário eletrónico em termos ainda a definir por portaria do ministério da Justiça e das Finanças ou presencialmente junto de um serviço de registo, através de preenchimento eletrónico assistido.

Para permitir que a base de dados esteja constante atualizada, a Proposta de Lei em apreciação prevê não só uma declaração inicial, que pressupõe a comunicação dos elementos necessários referentes ao beneficiário efetivo no ato de constituição da sociedade (sendo certo que no caso das sociedades regularmente constituídas e existentes aquando da entrada em vigor do diploma, a mesma deverá ser apresentada em prazo a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis das áreas das finanças e da justiça1 ), mas também uma declaração de confirmação anual da informação sobre o beneficiário efetivo até ao dia 15 de Julho de cada ano posterior e declaração de alterações, sempre que algum dos elementos comunicados referentes ao beneficiário efetivo for alterado (sem prejuízo de recurso à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira).

No espectro das consequências pela violação das obrigações acima referidas, nota-se que enquanto não for observado o cumprimento das obrigações declarativas e de retificação previstas no regime, estará vedado às respetivas entidades, por exemplo, a distribuição de lucros de exercício ou adiantamento sobre lucros no decurso do exercício e a intervenção como parte em qualquer negócio que tenha por objeto a transmissão de propriedade, a título oneroso ou gratuito, ou a constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis, sem prejuízo de outras proibições legalmente previstas e eventual responsabilidade civil e criminal para o Declarante, na eventualidade de prestar falsas declarações.

Ressalva-se que, de acordo com o disposto na Proposta de Lei, a comprovação do registo e atualizações de beneficiário efetivo constantes no
RCBE deve ser exigida em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à comprovação da situação tributária regularizada, sem prejuízo de outras
disposições legais que determinem a exigência dessa comprovação.

Para além do RCBE, convêm salientar que a Proposta de Lei também estabelece uma obrigação para as sociedades comerciais de manterem um registo atualizado dos elementos de identificação:

  1. Dos sócios, com discriminação das respetivas participações sociais;
  2. Das pessoas que detém, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, a propriedade das participações sociais; e
  3. De quem, por qualquer forma, detenha o respetivo controlo efetivo.

Os sócios são obrigados a informar a sociedade de qualquer alteração dos elementos de identificação supra mencionados no prazo de 15 dias a contar da mesma, sendo que a sociedade pode notificar o sócio no prazo de 10 dias para proceder à atualização dos referidos elementos.
O incumprimento injustificado do dever de informação pelo sócio, após notificação da sociedade, permite à Sociedade proceder à amortização das participações sociais.

Por outro lado, prevê-se igualmente que o incumprimento pela sociedade do dever de manter um registo atualizado dos elementos de Identificação do beneficiário efetivo constituí contraordenação punível com coima de €1.000,00 (mil euros) a €50.000,00 (cinquenta mil euros).

Tal como se referiu inicialmente, a Proposta de Lei ainda não foi apresentada a votação e existem aspetos relevantes que são remetidos para regulamentação posterior. Verificam-se ainda várias lacunas designadamente sobre a aplicação a estrangeiro, que esperamos venham a ser aperfeiçoadas.

(1) A Proposta de Lei prevê que a regulamentação do diploma deverá ser aprovada no prazo de 90 dias a contar do dia seguinte ao da publicação da Proposta de Lei.

O fim das ações ao portador

Foi hoje publicada em Diário da República a Lei n.º 14/2017, de 3 de Maio, a qual deverá entrar em vigor no dia imediatamente a seguir ao da sua publicação, e que, num desfecho já há muito antecipado por movimentações na esfera política e jurídica internacional, europeia e nacional, vem colocar um ponto final às ações ao portador.

Assim, em traços gerais e no que respeita aos seus aspetos materiais, vem o diploma em causa:

  1. Estatuir a proibição de emissão de valores mobiliários ao portador; e
  2. Determinar que os valores imobiliários emitidos ao portador deverão ser convertidos no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei, ficando desde esse momento, proibida a sua transmissão e suspenso o direito a participar em distribuições de resultados associados aos valores mobiliários em causa.

Adicionalmente, são introduzidas algumas alterações aos preceitos relevantes em sede de Código dos Valores Mobiliários e Código das Sociedades Comerciais, por forma a conformá-los com a proibição em causa.

O regime de conversão aludido pelo presente diploma deverá ainda, no prazo de 120 dias a contar da data da sua entrada em vigor, ser objeto de regulamentação pelo governo, pelo que ainda falta esse elemento para determinar em definitivo a definição do caminho para a extinção dos valores mobiliários ao portador.

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