Novos meios legais reestruturação de empresas em dificuldades
No passado dia 30 de Junho foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho (doravante, o “Diploma”), que procedeu à décima alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DecretoLei n.º 53/2004, de 18 de Março (o “CIRE”).
Por sua vez, o referido diploma procede também à quadragésima-sétima alteração ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02/09 (o “CSC”). O diploma em causa entrou em vigor no dia 1 de Julho.
Este Diploma destina-se a dar cumprimento ao Programa Capitalizar (Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2016, de 18 de Agosto), no sentido de agilizar o processo de reestruturação empresarial, criando condições para a sobrevivência de empresas
consideradas economicamente viáveis e assegurando a preservação do valor associado às organizações em atividade, independentemente da sua forma jurídica.
Resulta da exposição de motivos subjacentes à criação e aprovação de tal diploma que o principal objetivo desta alteração, no âmbito do CIRE, incidiu sobre a credibilização do PER, enquanto instrumento de recuperação, reforçando-se assim a transparência e a credibilização do regime, com a introdução de um plano de recuperação somente dirigido às empresas, sem abandonar o formato para as pessoas singulares, não titulares de empresa, ou comerciantes.
Apresentado como uma alternativa à insolvência, o PER permite ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respetivos credores
de modo a aprovar um Plano de Recuperação.
Todavia, em termos práticos, a razão primordial que tem levado o devedor a requerer este instrumento prende-se com a concessão de “trégua processual”.
Assim: (i) permite-se a suspensão do processo de insolvência e evitam-se os efeitos a ele associados, tais como a privação do poder de disposição e de administração, apreensão e liquidação dos bens, vencimento dos créditos, bem como a inibição para o exercício do comércio; (ii) impede-se a instauração de ações judiciais para a cobrança de dívidas contra o devedor (suspendendo-se também as ações idênticas já em curso) e (iii) suspende outros processos de insolvência que anteriormente tenham sido instaurados, desde que não tenha sido proferida a sentença declaratória de insolvência.
A verdade é que tais consequências, muitas vezes o real iter do recurso ao PER, levaram à banalização da sua utilização e à descredibilização deste instrumento enquanto mecanismo de recuperação de empresas – sendo antes utilizado, reiterada e
inconsequentemente, como um mecanismo meramente dilatório, de adiamento da insolvência. Foi nesse sentido que o Diploma em causa visou reforçar a intervenção dos credores, através um plano de negócios consistente, que não vise somente a restruturação da dívida contraída – ou a aparência desta.
Assim, o acordo de revitalização deve refletir um interesse homogéneo por parte dos titulares dos créditos. As relações que a empresa mantenha com fornecedores, clientes e stakeholders bem como as oscilações do mercado, constituem circunstâncias a ter em conta pelos credores, uma vez que poderão ter impacto material (positivo ou negativo) sobre a subsistência dos requerentes do PER.
No âmbito das sociedades comerciais, vem este diploma proceder à criação do regime jurídico de conversão de créditos em capital social, permitindo que as sociedades (sobretudo aquelas que se encontrem em situação de perda de capital social ou de capital próprio negativo) possam reestruturar o respetivo balanço e reforçar os capitais próprios com créditos detidos sobre a sociedade, admitindo que uma maioria de credores proponha uma conversão dos seus créditos em capital social.
Com efeito, o mecanismo simplificado de aumento do capital social por conversão de créditos fica dependente da não oposição expressa dos demais sócios, sendo certo que, em caso de oposição, se poderá sempre seguir o processo tradicional de aumento de capital social por conversão de créditos.
O procedimento simplificado passa a exigir declaração de contabilista certificado ou de revisor oficial de contas, sempre que a revisão legal de contas seja legalmente exigida.
Todavia, e na linha da posição veiculada pela Ordem dos Advogados, no seu Parecer de 17 de Março de 2017, chamamos à atenção para o facto de que a simples conversão do crédito em capital, por si só, não aporta fundos, não garante negócios, nem garante a manutenção de salutares relações comerciais. Permite, não obstante, uma situação financeira mais favorável à obtenção de crédito ou
mesmo de investimento por parte de terceiros.
Por mera hipótese académica, e fazendo a ligação com o regime do PER, se, por um lado, pode a sociedade apresentar-se a um PER, no sentido de reestruturar a sua dívida globalmente, apresentando um plano de negócios viável para a empresa, comprometendo-se, a título de exemplo, e sempre com a finalidade de assegurar a sua viabilidade a satisfação de créditos de terceiros, a efetuar investimentos adicionais, a assumir obrigações de permanência no capital da sociedade, a assumir o compromisso de manutenção de postos de trabalho, por outro lado, podem os sócios efetivar, em conjunto com as referidas medidas, uma proposta de conversão de suprimentos em capital social (renunciando, assim, aos créditos detidos sobre a sociedade), sendo que este “investimento” por parte
dos sócios teria um papel preponderante na recuperação e na sustentabilidade da sociedade, alcançando-se da melhor forma os objetivos do Programa Capitalizar.
Em suma, não sendo um diploma que quebre barreiras, acaba por ter a virtude de, por um lado, trazer uma abordagem mais pragmática e eficiente ao regime do PER (tantas vezes utilizado como um adiar da inevitável insolvência) e facilitar o regime de
conversão de suprimentos em capitais próprios, trazendo também uma desmaterialização necessária) das formalidades inerentes às sociedades comerciais. Qualquer uma das medidas, espera-se, virá facilitar a obtenção de financiamento, seja junto dos bancos seja junto de investidores.
Esta Newsletter foi escrita em parceria por Marco Pereira Cardoso (marco.cardoso@tfra.pt) e Francisco Herculano (francisco.herculano@tfra.pt)