Dupla Tributação Portugal Angola

O Parlamento Angolano ratifica a Convenção entre a República Portuguesa e a República de Angola para eliminar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e prevenir a Fraude e Evasão Fiscal.

Assinada em Luanda, a 18 de setembro de 2018 e aprovada pela Assembleia da República Portuguesa no passado dia 18 de janeiro de 2019, a Convenção entre a República Portuguesa e República de Angola para eliminar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e prevenir a Fraude e Evasão Fiscal (doravante, “Convenção Portugal – Angola”) foi, no passado dia 23 de janeiro de 2019, objeto de aprovação por parte da Assembleia Nacional de Angola.

Estando agora a aguardar a ratificação pelos respetivos Chefes de Estado, a Convenção Portugal – Angola, para além de representar, conforme referido pelo Secretário de Estado Angolano para a Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas, um fator incrementador do investimento direto entre Angola e Portugal, representa também, para ambos os países, um instrumento de crescimento económico, de transferência de conhecimento e de competências, construção de infraestruturas e aumento dos níveis de emprego, entre outros benefícios.

Por outro lado, e no plano político, a referida Convenção assume uma importância particular, apresentando-se como a primeira Convenção para eliminar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e prevenir a Fraude e Evasão Fiscal a celebrar pela República de Angola e, bem assim, como um marco indelével da superação das tensões políticas existentes, no passado, entre ambos os países.

Finalmente, e do ponto de vista jurídico-fiscal, a Convenção Portugal – Angola é dotada de todos os institutos necessários à prossecução dos seus objetivos, à luz dos mais recentes desenvolvimentos ocorridos ao nível da economia internacional e da correspondente prática fiscal.

Das principais medidas e aspetos que deverão ter maior impacto ao nível do investimento direito internacional entre Portugal e Angola dá-se breve conta infra, como segue.


DEFINIÇÕES GERAIS (ARTIGO 3.º) E CONCEITO DE RESIDÊNCIA (ARTIGO 4.º)

No respeitante as definições enformadoras da sua interpretação e aplicação, a Convenção Portugal – Angola acompanha os mais recentes desenvolvimentos técnicos, abrangendo as expressões “pessoa” e “sociedade” as pessoas singulares, as pessoas coletivas em sentido estrito (i.e., sociedades de direito português ou angolano), as entidades que sejam fiscalmente equiparadas a estas (p.e., fundos de investimento) e. finalmente, os agrupamentos de pessoas.

Por outro lado, a referida convenção contém ainda uma cláusula residual, nos termos da qual a interpretação e aplicação de qualquer conceito não expressamente definido por esta deve ocorrer em consonância com o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação fiscal do Estado relevante.

Finalmente, e no que concerne ao conceito de residência consagrado no artigo 4.º, o mesmo não se afasta do padrão comum, determinando que se considera residente de determinado Estado Contratante (i.e., Portugal ou Angola) aquela pessoa que, nos termos da legislação iscal aplicável em cada jurisdição, seja aí sujeita a imposto sobre o rendimento em relação à totalidade dos seus rendimentos, independentemente da espetiva origem, baseando-se esta sujeição na circunstância de essa pessoa ter o seu domicílio, residência, local de incorporação, local de direção ou outro local similar no país em que é imposta essa tributação.

Tendo em vista a resolução de eventuais problemas de dupla-residência ou dupla-nãoresidência, a Convenção Portugal – Angola faz ainda referência ainda a um conjunto de regras vulgarmente designadas por tie-breaker rules, nos termos do qual se dá primazia àquele Estado Contratante em que a pessoa tenha o seu centro de interesses vitais, ou, alternativamente, local de permanência habitual.

Finalmente, e caso a aplicação daquelas regras não resulte na fixação de uma residência fiscal única para o sujeito passivo, por não ser possível determinar seu centro de interesses vitais ou local de permanência habitual, tem primazia a sua nacionalidade e, caso este não seja Português ou Angolano, o acordo a concluir entre as autoridades de Portugal e Angola, com vista à fixação da respetiva residência fiscal.


CONCEITO DE ESTABELECIMENTO ESTÁVEL (ARTIGO 5.º)

Na sua génese, a Convenção Portugal – Angola apresenta-se como um acordo resultante de compromissos feitos entre os Estados Contratantes, no sentido da matização do pendor generalizado de favorecimento dos Estados exportadores de capital ínsito às Convenções celebradas por Portugal na esteira da Convenção-Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”) por concessões a favor, neste caso, do Estado de importação desses capitais.

Ora, um dos campos em que se tornam evidentes estas concessões respeita, precisamente, ao conceito de estabelecimento estável consagrado na Convenção Portugal – Angola, o qual, sem prejuízo da adoção do conceito introdutório tradicional de instalação fixa através do qual seja exercida uma atividade económica é, posteriormente, objeto de uma densificação tal que, conferindo-lhe grande abrangência, supera as construções tipicamente realizadas ao abrigo das Convenções celebradas por Portugal, ao abrigo do referido modelo da OCDE.

Com efeito, dispõe o n.º 3 daquele preceito que o conceito de estabelecimento estável compreende:

  • Estaleiros de construção, projetos de construção, instalação ou de montagem, desde que as atividades aí exercidas tenham uma duração superior a 6 meses;
  • Atividades de prestação de serviços, incluindo de consultoria ou gestão, exercidas no território de um dos Estados Contratantes por empregados vinculados a uma empresa do outro Estado Contratante, desde que essas pessoas permaneçam, no total, mais de 183 dias no território do primeiro Estado Contratante;
  • Atividades referidas no ponto anterior, quando exercidas por um sujeito passivo individual, desde que essa pessoa permaneça, no total, mais de 183 dias no território do Estado Contratante em que os serviços sejam prestados; ou,
  • Instalações ou estruturas usadas na pesquisa e exploração de recursos naturais localizados num Estado Contratante, desde que essas instalações ou estruturas permaneçam no respetivo território por um período superior a 30 dias.

Por seu turno, a Convenção Portugal – Angola consagra ainda o conceito do estabelecimento estável pessoal na sua conceção mais moderna, nos termos da qual se considera que tem um estabelecimento estável num Estado Contratante uma empresa que, sendo residente no outro Estado Contratante exerce, no primeiro Estado Contratante, uma atividade por intermédio de um indivíduo que:

  • Habitualmente celebre contratos em seu nome;
  • Habitualmente desempenhe um papel preponderante na celebração de contratos reiteradamente concluídos sem modificação material por parte da referida empresa, desde que esses contratos, não respeitando a qualquer das atividades secundárias ou acessórias referidas infra, sejam concluídos em nome da referida empresa e impliquem: (a) a prestação de serviços pela empresa; ou (b) a transferência da propriedade ou a concessão de direitos de uso sobre bens detidos pela empresa em regime de propriedade ou de uso e fruição; ou,
  • Não celebrando habitualmente contratos em nome da empresa nem desempenhado o referido papel preponderante, mantenha habitualmente, no segundo Estado Contratante, um depósito de bens ou mercadorias para entrega, em nome da referida empresa.

Finalmente, cumpre ainda referir que, nos termos da Convenção Portugal-Angola, não preenchem o conceito de estabelecimento estável:

  • As instalações físicas e depósitos de bens utilizadas unicamente para armazenamento ou exposição de bens ou mercadorias pertencentes a uma empresa de outro Estado Contratante;
  • Os depósitos de bens ou mercadorias detidas por uma empresa do outro Estado Contratante, para serem transformados por outra empresa;
  • Instalações físicas mantidas unicamente para comprar bens ou mercadorias ou reunir informações para uma empresa de outro Estado contratante;
  • Instalações físicas mantidas unicamente para o exercício de uma atividade de carácter preparatório ou auxiliar;
  • Agentes independentes que atuem no âmbito da sua atividade normal, salvo se as atividades desse agente forem total ou quase totalmente desenvolvidas em nome de uma empresa do outro Estado Contratante e os respetivos termos e condições diferirem daqueles que seriam estabelecidos entre contrapartes independentes.

Não obstante o disposto, cumpre ainda salientar que, em conformidade com os mais recentes desenvolvimentos ao nível da doutrina fiscal internacional, não são tidas como acessórias aquelas atividades referidas nos dois primeiros pontos anteriores quando, inter alia, da sua combinação resulte o exercício, de forma fragmentada, por várias entidades juridicamente distintas, mas estreitamente relacionadas, de uma atividade não preparatória ou auxiliar.


NORMAS DE REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA FISCAL (ARTIGOS 6.º A 8.º E 10.º A 22.º)

Se no conceito do estabelecimento estável adotado a Convenção Portugal – Angola se revela tendencialmente mais favorável às pretensões tributárias do Estado Angolano, no capítulo das normas de repartição da competência fiscal relativamente aos diversos tipos de rendimento, aquela revela-se tendencialmente mais tradicional e próximo da ConvençãoModelo da OCDE, optando a maioria das nomas pela atribuição da competência tributária principal ao Estado investidor ou exportador de capital (i.e. Estado da residência da empresa beneficiária dos lucros, juros e dividendos), cabendo ao Estado importador de capital (i.e., Estado da fonte dos rendimentos) um “papel subalterno”, de competência tributária
tendencialmente limitada a uma percentagem dos rendimentos auferidos.


Não obstante, mas em complemento do disposto, a tabela incluída em anexo à presente newsletter procura resumir, de forma clara, as diversas normas de repartição da competência fiscal constantes da Convenção Portugal – Angola.


CORREÇÕES AOS LUCROS TRIBUTÁVEIS POR APLICAÇÃO DE REGRAS DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA (ARTIGO 9.º)

Determina o artigo 9.º que quando uma empresa de um Estado Contratante participe, direta ou indiretamente, na direção, controlo ou capital de uma empresa de outro Estado Contratante ou, bem assim, ambas sejam participadas pelas mesmas pessoas, e, em ambos os casos, as duas empresas, nas suas relações comerciais e financeiras, estabeleçam termos e condições daqueles que seriam hipoteticamente estabelecidos entre empresas independentes envolvidas em transações similares, os lucros e gastos que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos ou incorridos por essas contrapartes, devem ser ficcionados e incluídos para efeitos do cálculo dos lucros tributáveis dessas empresas, em ambos os Estados Contratantes (ajustamento correlativo, sujeito a concordância da parte do Estado Contratante da empresa a que, no âmbito do juízo referido supra, devem ser imputados montantes adicionais de gastos dedutíveis fiscalmente).

Finalmente, cumpre ainda salientar que, no âmbito das normas de repartição da competência fiscal brevemente referidas supra, existem múltiplos mecanismos de exclusão dos benefícios aí previstos, relativamente a montantes desconformes com o princípio de plena concorrência e com as normas de preços de transferência legalmente aplicáveis em Portugal e Angola.


MÉTODOS DE ELIMINAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO (ARTIGO 23.º)

À semelhança do proposto na Convenção-Modelo da OCDE, a Convenção Portugal – Angola prevê uma dualidade de mecanismos de eliminação da dupla tributação:

  • Mecanismo de crédito de imposto ordinário, previsto no n.º 1 do artigo 23.º, o qual prevê que “… quando um residente de um Estado contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto na presente Convenção (salvo na medida em que estas disposições permitam a tributação no outro Estado Contratante unicamente pelo facto de os rendimentos serem igualmente rendimentos obtidos por um residente desse outro Estado), o primeiro Estado mencionado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado.” A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.
  • Mecanismo de isenção com progressividade, previsto no n.º 2 do artigo 23.º, o qual prevê que “… quando […] os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante estejam isentos de imposto nesse Estado, esse Estado poderá, não obstante, ao calcular o quantitativo do imposto sobre os restantes rendimentos desse residente, ter em conta os rendimentos isentos.”.

No que a estas normas diz respeito, cumpre salientar que, num período de 7 anos prorrogável mediante acordo entre as autoridades tributárias de Portugal e Angola, será aplicável a norma transitória constante do n.º 3 deste artigo, nos termos do qual, relativamente aos residentes em Portugal, a expressão “imposto sobre o rendimento pago em Angola” incluirá o montante do imposto que deveria ter sido pago como imposto em Angola, mas que não o foi em virtude de isenção ou redução do ónus tributário, quando:

  • A isenção ou redução em causa tenha sido concedida por força da legislação visando o desenvolvimento económico de Angola;
  • Os rendimentos objeto de isenção ou redução do ónus tributário não provenham de entidades ou estabelecimentos estáveis cuja atividade principal consista na realização de operações próprias da atividade bancária, mesmo que não exercida por instituições de crédito, ou da atividade seguradora, de operações relativas a partes sociais ou locação de bens.


PROCEDIMENTO AMIGÁVEL E MECANISMO DE TROCA DE INFORMAÇÕES (ARTIGOS 25.º E 26.º)


Em consonância com o paradigma de cooperação em matérias fiscais que atualmente orienta as relações entre jurisdições fiscais, a Convenção Portugal – Angola incluiu um mecanismo de procedimento amigável no âmbito do qual, mediante solicitação pelos sujeitos passivos devidamente fundada e objeto de aprovação por parte da autoridade tributária do Estado respetivo, “as autoridade competentes dos Estados Contratantes procurarão resolver, através de acordo amigável, as dificuldades ou as dúvidas a que possa dar lugar a interpretação ou a aplicação da Convenção [podendo também] consultar-se com vista à eliminação da dupla tributação em casos não previstos pela Convenção.

Finalmente, cumpre ainda salientar que, nos termos do seu artigo 26.º, a Convenção Portugal – Angola prevê, na esteira dos desenvolvimentos entretanto ocorridos ao nível da tributação internacional, de um sistema de troca de informações fiscais, nos termos do qual “as autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações que sejam previsivelmente relevantes para a aplicação das disposições da presente Convenção ou para a administração ou aplicação das leis internas [e, bem assim] na prevenção e combate à evasão e elisão fiscal.”

Com vista à efetivação daquele objetivo, dispõe o n.º 4 daquele artigo que “se forem solicitadas informações por um Estado Contratante […] o outro Estado Contratante utilizará os poderes de que dispõe a fim de obter as informações solicitadas, mesmo que esse outro
Estado não necessite de tais informações para os seus próprios fins fiscais.
”.

Pese embora o cariz assertivo daquela norma, cumpre referir que, nos termos do disposto no n.º 3 daquele preceito, em caso algum pode aquela redação ser interpretada no sentido de impor, a Portugal ou Angola, as seguintes obrigações:

  • De tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação ou à sua prática administrativa e, ainda, à legislação ou prática administrativa do outro Estado;
  • De fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal e, ainda, na legislação ou prática administrativa do outro Estado;
  • De fornecer informações relevadoras de segredos ou processos comerciais industriais ou profissionais, ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública.

Não obstante o disposto, cumpre ainda salientar que nenhuma daquelas limitações pode ser interpretadas no sentido de permitir que um Estado Contratante se recuse a fornecer tais informações pelo simples facto de estas não se revestirem de interesse para si, no âmbito
interno.

Por outro lado, a recusa de informações unicamente por estas serem detidas por bancos, instituições financeiras, mandatários, agente ou fiduciários ou, por outro lado, por respeitarem a direitos de propriedade de uma pessoa, não é igualmente permitida.

Finalmente, cumpre assinalar que as disposições da presente Convenção serão ainda complementadas pelas disposições do Acordo entre Portugal e Angola sobre Assistência Administrativa Mútua e Cooperação em Matéria Fiscal.


CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO DO DIREITO AOS BENEFÍCIOS (ARTIGO 28.º)

Sem prejuízo de a aplicação dos benefícios constantes da Convenção Portugal – Angola também poder ser afastada por via da aplicação de normas anti abuso internas, é de referir que esta contém, no n.º 2 do artigo 28.º, uma cláusula própria, nos termos da qual os benefícios desta Convenção não deverão ser concedidos “… caso seja possível concluir, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, que a obtenção desses benefícios era um dos principais objetivos de uma construção ou transação da qual resultem, direta ou indiretamente, os referidos benefícios, salvo quando seja determinado que a concessão desses benefícios, nessas circunstâncias, é conforme com o objetivo e o fim das disposições relevantes da presente Convenção.”.

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