No passado dia 9 de janeiro de 2020 foi aprovado o Decreto-Lei n.º 1/2020 que criou o Direito Real de Habitação Duradoura (DRHD).
No âmbito da Nova Geração de Políticas da Habitação, este instrumento assume-se como uma alternativa às soluções de aquisição de habitação própria ou de arrendamento habitacional.
Como funciona?
Em traços gerais, o Direito Real de Habitação Duradoura é o direito permanente e vitalício de residir numa habitação alheia, mediante o pagamento ao proprietário de uma caução inicial e de uma prestação mensal.
O valor da caução deverá ser estabelecido por acordo entre o morador e o proprietário, tendo obrigatoriamente de ser entre 10% e 20% do valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares, por freguesia, aplicável em função da localização da habitação e da área constante da respetiva caderneta predial, de acordo com a última atualização divulgada INE.
Igualmente se prevê que a caução prestada valerá por 30 anos e servirá de garantia em caso de incumprimento por parte do morador. Se este sair do imóvel terá direito a reavê-la integralmente nos primeiros dez anos. Caso o morador permaneça no imóvel a partir do 11º ano, o proprietário passa a reter uma percentagem de 5%, significando que ao fim dos 30 anos o morador perde o direito à caução.
Outra particularidade da figura reside na intransmissibilidade do direito do morador falecido aos seus herdeiros, assistidos apenas no direito de reaver a caução.
Constituição do DRHD
Num momento prévio à constituição do DRHD, o proprietário do imóvel deve requerer a avaliação prévia do estado de conservação da habitação com o registo das condições existentes na habitação há menos de 12 meses na respetiva ficha de avaliação.
Já no contrato devem constar: o montante da caução prestada e os valores das contrapartidas, a declaração do morador a aceitar o estado de conservação da habitação, e o endereço postal ou eletrónico para efeito de todas as comunicações a realizar no âmbito do DHD.
A celebração é feita por escritura pública ou por documento particular, no qual as assinaturas das partes são presencialmente reconhecidas, devendo ser pagas pelo morador as quantias relativas à caução e à primeira prestação mensal;
No prazo de 30 dias a contar da data de celebração do contrato deve o morador promover o registo predial do DRHD.
Direitos e deveres do morador:
De acordo com o diploma, o morador tem direito a:
1. Residir vitaliciamente numa habitação;
2. De lhe ser devolvida, total ou parcialmente, a caução por ele entregue, caso
opte por renunciar ao DHD nos primeiros 30 anos de vigência do mesmo;
3. De hipotecar o DRHD, se precisar de crédito para financiar a caução;
4. De retenção da habitação no caso de o proprietário não lhe devolver a caução.
No que toca aos deveres, ao morador cabe:
1. Apenas usar a casa para a sua habitação permanente, a menos que tenha autorização do proprietário para lhe dar outros fins;
2. Pagar taxas municipais e o IMI;
3. Promover e pagar a realização de avaliações do estado de conservação do imóvel. Neste caso, se o nível de avaliação for inferior a médio e as anomalias forem da sua responsabilidade, o morador terá de fazer as obras necessárias e fazer nova avaliação. As benfeitorias são livres e não dão lugar a qualquer indemnização;
Vantagens para o proprietário do imóvel
1.Rentabilidade estável e segura, dado que a caução paga pelo morador servirá de garantia ao risco do não pagamento por este das contrapartidas devidas;
2. Redução dos custos da gestão da habitação, cabendo ao morador o pagamento das despesas das obras de conservação ordinária, das taxas municipais e do IMI;
3. Possibilidade de gerir e rentabilizar o capital correspondente à caução;
4. Direito de reaver a habitação em estado de conservação, no mínimo, médio, em caso de extinção do direito. Quando recupera a habitação, se não tiver sido assegurado pelo morador o estado de conservação da habitação, no mínimo, médio, o proprietário pode deduzir as despesas das obras no saldo da caução a devolver ao morador.
Regime Fiscal
a) Em sede de Imposto do Selo
A constituição do DHD estará sujeita a imposto do Selo, à taxa de 0,8% e de acordo com as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.
b) Em sede de IRS e IRC
Tendo em conta que no diploma não encontramos um regime fiscal específico para o DRHD, os rendimentos do proprietário serão enquadrados na categoria F (rendimentos prediais). No caso do IRS, a taxa aplicável ao rendimento será de 28%. No entanto, o sujeito passivo pode optar pelo englobamento, sendo a taxa de imposto (progressiva) corresponderá ao escalão em que o rendimento coletável do sujeito passivo se encontre.
No caso do IRC, os rendimentos serão tributados à taxa normal (21%) e sem retenção na fonte.
Este entendimento é também extensível às contrapartidas financeiras e à caução, mas, no caso desta, apenas a partir do momento em que seja utilizada para suprir o incumprimento do morador ou corresponda à prestação pecuniária anual (equivalente a 5% do montante da caução), a que o proprietário tem direito a partir do 11.º ano de duração do contrato).
Cessação do contrato
De acordo com o diploma, o contrato poderá cessar por caducidade, por renúncia e por resolução contratual fundada no incumprimento definitivo de uma das partes.
Na primeira hipótese, o contrato caduca por com a morte do morador, não se transmitindo aos seus herdeiros. Na segunda hipótese, o morador pode renunciar livremente ao DHD através do envio ao proprietário, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de 90 dias em relação à data de entrega da habitação, de declaração com assinatura reconhecida presencialmente e com ficha de avaliação da habitação elaborada nos termos do artigo 4.º comprovativa de um nível de conservação da mesma, no mínimo, médio. ∙
Note-se que a extinção do DHD por renúncia do morador determina a devolução do montante correspondente ao saldo da caução, dispondo o proprietário de um período para proceder ao respetivo pagamento, contado da data de receção da comunicação da renúncia. Na terceira hipótese, o incumprimento definitivo do DHD por uma das partes contratantes confere à contraparte o direito de resolução contratual. Caso a resolução contratual tenha como fundamento o não pagamento pelo morador da contrapartida mensal, o proprietário fará comunicação de resolução no prazo máximo de seis meses, sob pena de caducidade do direito de resolver o contrato. No caso de não pagamento, pelo proprietário ao morador, do montante do saldo da caução, constitui título executivo para pagamento de quantia certa o contrato de DHD e a cópia do comprovativo da comunicação de renúncia do morador e respetivos documentos integrantes. Extinto o DHD, a habitação deve ser entregue ao proprietário, livre e devoluta de pessoas e bens, no prazo de três meses.
Outros aspetos do diploma
Pese embora destaquemos a melhoria das políticas de habitação, a verdade é que nem moradores nem proprietários estão convencidos do uso esta nova figura.
Na ótica dos moradores, o regime constitui uma forma de financiamento dos proprietários, além do sistema financeiro. Igualmente questionável é a devolução da caução integral no prazo de dez anos sem qualquer atualização, portanto desvalorizada, sendo que nos vinte anos seguintes o morador perderá o direito ao seu reembolso.
Outra das críticas apontadas relaciona-se com o facto de o morador não ter quaisquer deduções e benefícios fiscais no regime de DRHD, já que a seu cargo ficam o pagamento da prestação pecuniária mensal, obras de conservação ordinária, as taxas municipais e o IMI.
Na ótica dos proprietários, o diploma apresenta algumas incongruências em matéria fiscal, nomeadamente em sede de IRS e Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) – impostos que, consideram, vão ter custos elevados para proprietários e moradores.
Além disso, o dever de restituição do valor da caução pago pelo morador dentro do prazo de 30 anos constitui um forte entrave à liberdade de gestão, rentabilização e investimento daquele valor.
…
Esperando que este memorando tenha ido de encontro às suas expetativas, colocamo-nos ao dispor para qualquer esclarecimento que entendam por conveniente.